terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Ponto Final

Chovia, fazia meses que não caia uma gotícula do céu, mas hoje caiu, choveu aos cântaros, minava água dos cantos, escorria por entre as bocas, vertia. Caminhava em chuva, cada vez mais encharcado, sapatos ensopados, cabelos minados, as meias coloriam com a tintura da barata calça jeans, azulavam, o dia virara noite. Os passos cada vez mais pesados de tanta água, os poros inchados, engordavam as vísceras, preenchiam as lacunas vazias, tornavam grotescos e pesados os movimentos. 
Mais gotículas, mais pingos, mais inchaço, continuava a caminhar as luzes dos carros ofuscavam a visão, mais poça, mais água, mais chuva, não parava de chover, não cessava a enxurrada. Um cigarro, abriu a caixa, posicionou nos lábios, primeira tentativa, segunda tentativa, terceira tentativa, as mãos minavam água, não conseguia riscar o esqueiro, estava molhado, tapou com as duas mãos, primeira tentativa, segunda, terceira, ascendeu. Um trago longo, fumaça, trago, fumaça, água, fogo, brasa, sentou-se no meio fio, observava o cigarro entre seus dedos umedecidos, jorrava água de seus pés, uma corredeira, novo trago, mãos trêmulas, fumaça, brasa, água, frio, silencio. 
Uma goteira, som de uma goteira, batia, ecoava, atraiu a atenção, incomodou, onde estaria essa goteira, reverberava em seus ouvidos, badalava, mais e mais pingos, queimadura entre os dedos, som de brase se apagando e goteira. Som intermitente, trêmulo, agudo, oco, gota, som, dentro de mim. Uma tempestade fora de mim, uma chuva brutal em meu externo e dentro um goteira, um pingo.